domingo, 19 de setembro de 2010

Sem Título.

Quantas vezes já olhei para os lados esperando encontrar alguém que me apóie? Mas quando tento abraçar, só encontro o nada a minha frente. Tateio o vento esperando encontrar a forma maciça de alguma coisa. A escuridão me cega de forma assombrosa. Procuro, então, alguma forma de manter-me em contato com a humanidade. No bolso uma luz vermelha pisca, agarro-a com a alma, como se fosse a minha última esperança, o meu último suspiro de vida. Ligo para o primeiro número que me vêm à cabeça. A ansiedade aumenta e junto com ela, a vontade de correr deste lugar. Nesses momentos, o mundo parece absurdamente pequeno para poder se viver em paz. A ligação cai na caixa postal, o seu telefone está desligado. Tento o número da casa, ocupado. Uma súbita raiva de toda esta parafernália tecnológica invade todo o meu ser. Na terceira tentativa percebo que o saldo está baixo, algo insuficiente para se fazer um contato digno. A raiva só trata de crescer. A minha vontade é a de fugir, me machucar, me livrar deste mundo. Se pudesse, iria até onde me fosse possível, mas, infelizmente, querer não é poder, não neste mundo. Então, paro e percebo como levei uma vida fútil até este momento. Preocupei-me com coisas supérfluas e por causa delas, estraguei meus dias. Percebo quanto tempo passei fazendo coisas que não há necessidade, discutindo com pessoas que poderiam ser ignoradas. Ah, como poderia ter usufruído melhor do meu escasso tempo... Ligo o rádio, para ver se alguém percebeu o que aconteceu. Porém, na primeira emissora está a tocar Anoiteceu em Porto Alegre. Ninguém percebeu nada. Atendo minha vontade e corro para a rua, fecho a porta tão bruscamente que causa um som estrondoso e a tranco. Finalmente na rua, finalmente livre. Começa a chover, mas não tenho a certeza se a água que me molha é a do céu ou a de minhas próprias lágrimas. Raios partem em todas as direções ou são somente os meus pensamentos que se tornaram físicos? Não importa. Continuo a correr, a me molhar e a chorar. Corro, para onde? Não sei. O mundo desaba ao meu redor. Com meus olhos encharcados vejo pessoas em suas casas. Pessoas felizes comendo o seu jantar. Pessoas que nunca vi na vida. Pessoas que nunca verei novamente. E se uma dessas pessoas pudesse ser uma amiga? E se... E se... Cada pessoa tem a sua própria vida, que muitas vezes não interfere nem indiretamente na vida de outras pessoas. Há seis bilhões de pessoas neste mundo, e como quantas estabelecemos contatos? Muitas vezes nem cumprimentamos as pessoas próximas a nós, a balconista, o cobrador. Agora percebo que a vida deles de alguma forma está ligada a minha. Porém, estas pessoas nas janelas... Ah, como quisera fosse eu em uma delas. Como quisera. Sigo em frente o meu percurso, meu percurso até onde? Com exaustão, tombo no chão. Vejo pessoas nas ruas. Pessoas fazendo compras, pessoas fechando as lojas. Pessoas. Só espero que cada uma aproveite bem o tempo que resta de sua vida. A morte poderá vir a cada momento. O que me garante que terei vida no próximo momento? Mas nós temos a capacidade de desperdiçar a vida como se ela fosse infinita, como se viveríamos para sempre. Como se eu viveria até amanhã. O centro da cidade vai se esvaindo ao passo que escurece. As árvores ficam com um terrível aspecto semimorto. A vida fica semimorta. Ainda no chão, vejo as figuras noturnas. Vejo a brutalidade da realidade. Vejo pessoas se encaminhando para a Igreja, para a Sinagoga, para os templos. Mas para quê? Que certeza se tem de que há algo depois? Nenhuma. Há pessoas dedicando toda a vida buscando fictícias recompensas eternas. Pessoas como essas. Pessoas que se privam em nome da vida eterna, esquecendo de viver esta, que é a única que elas têm certeza de haver. E se não forem salvos? E se o deus que escolheram ter sido o errado? E se em vez de Jeová, o deus certo é o Ala? Essas pessoas não serão salvas? Por motivos como estes, prefiro me abster de opinião religiosa. Prefiro continuar a apenas observar estas pessoas se dirigindo, embaixo de guarda-chuvas, para os seus lugares sagrados. Enquanto cada gota de chuva me tira uma gota de vida. Há essa hora, meu celular deve estar estragado com tanta água que já passou por ele. Já tenho a certeza de que ninguém me ligará. Que ninguém me acordará do meu doce sonho. De que meu corpo só será reconhecido na manhã seguinte.

Um comentário:

C. Almeida disse...

"Se Deus não existisse, seria preciso inventá-lo"
Voltaire